Em Saudade (1899), Almeida Júnior constrói uma composição simples e equilibrada, sem elementos supérfluos. A cena se organiza em poucos pontos principais que vão conduzir o olhar e reforçar o sentido da obra. A mulher centralizada tem o rosto e os braços iluminados, contrastando com o fundo neutro e quase vazio. Seu corpo suavemente curvado conecta todas as estruturas do quadro. A composição pode ser dividida em quatro partes iguais, delimitadas por uma linha vertical formada pela janela aberta, pela parede unida pelas tábuas da janela e pelo corpo da mulher, e por outra horizontal definida pelas tábuas da janela e pelo corpo da personagem. Uma linha diagonal une objetos que estruturam a narrativa: o chapéu de palha no canto superior esquerdo, a fotografia nas mãos da mulher e o livro coberto por um xale no canto inferior direito. Todos esses elementos, além de seu valor simbólico essencial, enfatizam a perspectiva e criam uma sensação de profundidade que integra primeiro plano, meio e fundo. As linhas verticais reforçam essa percepção espacial: à esquerda, a parede com o chapéu marca o primeiro plano; no centro, o corpo e a janela compõem o plano intermediário e ao fundo, o banco com o livro e o xale encerra a cena. O corpo da mulher e suas vestimentas também acompanham essa estrutura. O xale preto, puxado diante do rosto, se dobra em diagonais que ecoam as linhas da composição, enquanto a abertura da blusa e a queda da saia criam movimentos verticais que complementam a janela.
A técnica empregada utiliza pinceladas verticais em tinta a óleo que acentuam o vazio do fundo e reforçam a atmosfera de imobilidade e contemplação. A paleta de tons terrosos e quentes contrasta com a luz azul fria que entra pela janela, criando um equilíbrio entre o aconchego da casa rural e a sensação de falta. Esse sentimento de perda e de afeto nostálgico conduz ao tema central da obra. O artista retrata um sentimento profundamente enraizado na cultura brasileira, acentuando o realismo nacionalista característico de sua pintura e a transformando em mais do que uma experiência visual mas também em uma experiência emocional.
A mulher, com roupas simples e desgastadas, mantém o olhar desolado fixo em uma fotografia iluminada pela luz fria que atravessa a janela, simbolizando a perda de alguém querido. O rosto coberto pelo xale sugere introspecção e recolhimento. Despreocupada com a aparência, seus cabelos desalinhados e roupas manchadas revelam a vida no campo. A casa rural, com rachaduras e coberta de poeira, decorada apenas com objetos essenciais, expressa pobreza sem perder o valor afetivo. As cores quentes tornam o ambiente nostálgico, como um espaço que guarda memórias de uma vida que não voltará. A ausência também é sugerida por detalhes sutis, como o chapéu abandonado nas sombras, indício da falta de alguém, e a fotografia nas mãos da mulher, que a prende às lembranças. Assim como na pintura O
Violeiro, Almeida Júnior retrata o cotidiano de pessoas comuns em ambientes simples. Em Saudade, porém, há um eco dessas relações: a solidão e a memória tomam o lugar da convivência. O artista se afasta do heroísmo e da grandiosidade neoclássica para enaltecer a figura de uma mulher comum, representada com dignidade e emoção, trazendo o realismo para uma esfera não apenas visual, mas também sensível e humana.
Por meio de contrastes sutis, estruturais, técnicos e cromáticos, Almeida Júnior nos faz oscilar entre o afeto e a nostalgia de um passado querido e a dor da perda. Essa transição quase imperceptível entre o conforto da lembrança e a ausência é justamente o sentimento que dá nome e sentido à obra: Saudade.
Yana
Luna Couto Jan
REFERÊNCIAS
ALMEIDA JÚNIOR, José Ferraz de. Saudade, 1899. Óleo sobre tela, 68 × 56 cm. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo.
ALMEIDA JÚNIOR, José Ferraz de. O Violeiro. 1899. Pintura. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
PHILIPPOV, Karin. A Saudade de José Ferraz de Almeida Júnior: uma análise dos aspectos iconográficos. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, Campinas.
ZANINI, Walter (org.). História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2 v.
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