Entre a vigília e o sonho: a gramática noturna de Berliner

Na crítica Eduardo Berliner: presença ausente, publicada na revista Select, Luisa Duarte analisa a exposição Corpo em Muda, do artista carioca Eduardo Berliner, realizada em 2016 na Casa Triângulo, em São Paulo. A mostra reuniu pinturas, aquarelas e desenhos que mesclam o humano, o animal e o onírico em hibridizações, evocando o conceito freudiano de das unheimliche, ou “o estranho” – aquilo que é simultaneamente familiar e inquietante. Tendo como um dos pontos de partida o romance A Desumanização, de Valter Hugo Mãe, Berliner construiu, por meio de suas obras, um universo pictórico onde o corpo e a identidade são atravessados por metamorfoses e ambiguidades, encarnando uma linguagem artística que se ancora na fabulação visual.

Duarte interpreta com sensibilidade esse universo híbrido como uma ficção pictórica nascida do "tempo noturno", quando o inconsciente atua e a lógica diurna cede lugar ao devaneio. As obras seriam, então, um convite de “deriva por tempos noturnos e paisagens internas, nos permitindo lembrar que, a despeito de um presente que faz o elogio diário de uma vida compartimentada, residem em nós, e no mundo que habitamos, sendas insuspeitadas de absurdo e fabulação à espera de um olhar que saiba promover fusões improváveis.” Nesse sentido, para a autora, a obra de Berliner “requer de nós uma paciência do olhar” — apontando para a necessidade de um tempo contemplativo que se opõe ao ritmo apressado da contemporaneidade.

A crítica de Luisa Duarte é bem-sucedida ao articular referências literárias, psicanalíticas e curatoriais e, ao mesmo tempo, ampliar as possibilidades de interpretação do conjunto de trabalhos. Seu texto, embora denso, mantém uma clareza argumentativa que respeita a complexidade da obra de Berliner. Ao valorizar o potencial fabulador da pintura numa “época desencantada e pragmática”, Duarte nos oferece não só uma leitura sensível da exposição, mas também um posicionamento sobre o papel da arte como espaço de resistência ao empobrecimento da imaginação.

Délio Faleiro



Imagens: Casa Triângulo   

Texto crítico: Eduardo Berliner: presença ausente, de Luisa Duarte

Fonte: https://select.art.br/eduardo-berliner-presenca-ausente/ 








Comentários