O grotesco na obra de Daisuke Ichiba


A obra do pintor, mangaká e fotógrafo japonês Daisuke Ichiba pode ser considerada um exemplo de arte grotesca. Na obra que apresentamos, do livro Bada (2000), observamos duas figuras aparentemente femininas, em um fundo vermelho, segurando criaturas semelhantes a parasitas, que saem de uma criatura que, por sua vez, se assemelha a um cavalo, porém com 4 olhos e feições humanas. O hibridismo, o cenário caótico representado e o efeito de estranhamento são as principais características da arte grotesca que compõem essa obra.

As imagens de Daisuke Ichiba mesclam violência e beleza, retratando um universo frágil, assombrado por fantasmas japoneses e distorções grotescas de contradições morais. É um mundo onde a juventude e o sexo se entrelaçam com a corrupção e a morte. Não é preciso imaginar o cenário retratado na vida real para saber que se trata de uma cena perturbadora, quase como um pesadelo. O artista brinca com o próprio imaginário caótico e provocador que a arte grotesca traz, pois a intenção da obra parece ser a de causar um choque misturado com estranhamento. Talvez o objetivo seja o de fazer o espectador questionar o motivo porque esses elementos foram postos e produzidos dessa maneira, já que uma das características da arte grotesca é o desprendimento da lógica naquilo que vemos.

A criatura, além de seu hibridismo, possui dois pares de olhos, uma escolha de textura de pelagem no corpo que destoa da cabeça, já que ela se assemelha a uma máscara. Suas entranhas, ou que era para ser, transformam-se em criaturas veiúdas, referência ao falo masculino, uma unidade de olhos e bocas (com dentes afiados) que se assemelham a uma vagina. Uma referência não tão sutil, uma vez que o próprio artista decidiu colocar uma figura feminina nua segurando uma das criaturas.

Temos a presença de outra figura feminina, ao lado da moça nua, uma garota com trajes tradicionais de adolescente japonesa. Ela mostra uma aparência um tanto quanto entediada, um choque para o espectador que espera reações de terror dos elementos participativos da cena, o que reforça o elemento de estranhamento, que nos leva a considera a obra como grotesca.

Se vê, embaixo da criatura híbrida, o que parece ser uma garota. Não se sabe ao certo por que ela está lá, talvez seja mais uma invocação do estranhamento e aleatoriedade presente na arte grotesca, uma vez que seu objetivo na composição não se torna claro. Ela na verdade segura a terceira criatura que sai de dentro de outra, mas a escolha de deixá-la ao fundo é desconhecida.

A obra de Ichiba, ao manipular esses elementos tão distintos de maneira visceral, coloca a arte grotesca como um meio de subversão, pois o tradicional e o monstruoso se encontram, ao desafiar o espectador a confrontar as partes mais sombrias e menos compreendidas de si mesmo e do mundo ao seu redor. A obra de Daisuke Ichiba, ao incorporar os elementos característicos da arte grotesca — como a ornamentação exagerada, o hibridismo e o caos — nos leva a refletir sobre a natureza da monstruosidade, da violência e da transformação. As figuras híbridas, o detalhe das vísceras e a atmosfera de desordem não só evocam a estética do grotesco, mas também criam uma experiência diferenciada, ao desafiar o espectador a questionar suas próprias percepções de normalidade e anormalidade, beleza e repulsão, ordem e caos.

 Daniel Diniz Hamdan

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