Takato Yamamoto, nascido em 1960, em Akita, é um artista de
origem japonesa que possui uma arte peculiar inspirada nas obras produzidas
durante o período Edo (1603 - 1868) conhecidas como Ukiyo-e. Entretanto,
diferente dos Moku Hangas desse período, a arte de Yamamoto é feita com
tinta acrílica. Em seus trabalhos, ele desenvolveu um estilo próprio chamado esteticismo
Heisei, caracterizado pela fusão de estéticas clássicas, como ukiyo-e,
com temas sombrios, eróticos e frequentemente macabros. Suas imagens apresentam
figuras femininas e andróginas em cenas grotescas, nas quais o corpo se
transforma, ao perder a figuração natural, no momento em que ele se multiplica,
duplica e sofre metamorfoses. Seu trabalho apresenta, assim, um teor gótico com
a mesclagem da cultura popular japonesa e mangás. De acordo com Darya:
O esteticismo
Heisei, com seu conteúdo lovecraftiano, é comparável ao estado de paralisia do
sono, quando a vítima deriva, impotente, em um sonho repleto de serpentes e
esqueletos. Esse estilo segue de forma especial a filosofia do Ukiyo-e,
combinando a arte japonesa do período Edo com a decadência europeia. Em suas
obras, Yamamoto representa o "mundo flutuante" como um caleidoscópio
de carne suspensa. (Darya, Takato Yamamoto: Easternized Europe and The
Country of the Rising Moon, Shunga Gallery, 09/2021.)
Yamamoto produziu
diversos artbooks com foco no erótico, muitas vezes representando o Kinbaku
(緊縛) ou Shibari (しばり)
ou inspirando-se em grandes obras do período do Ukiyo-e. No entanto, o artista
não manteve condicionado a representa apenas práticas, já que seus trabalhos
apresentam seres como vampiros, os quais derivam das lendas dos Rokurokubi
(ろくろ首 rokuro-kubi,) e também criaturas pequenas amorfas que
remetem a seres que são resultados da mescal de representações culturais
japonesas e cristãs.
As características pictóricas de Takato Yamamoto incluem
personagens andróginos cujas cabeças frequentemente se conectam a corpos em
estado de putrefação, decorados com flores e padrões que evocam escamas. Esses
corpos, muitas vezes, estão presos por estruturas de osso e carne, criando uma
ligação visceral com outros objetos da cena. Yamamoto utiliza também arabescos
detalhados como fundo, não apenas para preencher o espaço, mas para interagir
visualmente com as narrativas das suas obras, amplificando sua atmosfera
sombria e ornamental.
Sua obra Fermentation of a hermaphrodite possui um
fundo com arabescos pretos formados por esqueletos em padrão que dá uma
sensação de duplicidade. Ao fundo, dois círculos se destacam, alinhados
verticalmente, de modo que o menor flutua no alto, enquanto o maior ocupa a
parte inferior, criando uma composição que reforça a harmonia. No primeiro
plano, somos apresentados a figura central de grande complexidade, um ser
andrógino que possui o corpo normal do pescoço para cima, entretanto, abaixo
disso o grotesco se desenrola em formas absurdas. A costela desse ser embora completa
está à mostra, os órgãos, antes ocultos no interior do corpo, agora se revelam
por entre os espaços dos ossos, expondo sua complexidade e transformando a
estrutura em uma visão crua e visceral. Um seio se mescla ao seu ombro esquerdo,
do outro lado, o direito, vemos que ele parecer estar danificado. Das costas,
brotam duas asas, destacando a metamorfose do corpo quimérico como um ser alado.
Logo abaixo, ligado por uma artéria e resquícios de pele está seu braço com os
ossos rádio e ulna expostos, enquanto a mão permanece intacta, coberta de pele,
com os dedos apontando para baixo. Ao centro de seu torso, uma rosa emerge
enraizada abaixo das costelas e se envolve com uma espécie de esfera que surge
abaixo desse conjunto. Veias e artérias são expelidas dessa esfera e caem sobre
sua bacia, onde se encontram os dois órgãos sexuais, masculino e feminino,
fundidos de forma visceral e sexual. Por último, abaixo do escroto vemos a
junção dos órgãos com uma cauda de carpa vermelha, muito comum na cultura
japonesa.
Essa representação do corpo em constante transformação,
reforça os ideais apresentados nos fundamentos daquilo que pode ser considerado
o grotesco, como metamorfose, duplicidade e hibridismo. O corpo observado do
topo à base demonstra a metamorfose do humano em direção a insetos e peixes,
caracterizando o hibridismo. Assim, o grotesco surge da fusão de diferentes partes
que rompem com as formas convencionais ou ideais, criando algo divergente e
novo. As formas do grotesco são materiais análogos ou expressões de corrupção
espiritual ou fraqueza, já que suas partes estão em um estado de anarquia,
produzindo uma impressão do atroz ou de vitalidade inapropriada. Como observa Geoffrey
Galt Harpham, “muitos grotescos são marcados por uma espécie de
afinidade/antagonismo, pela co-presença do normativo, completamente formado,
altivo ou ideal, e o anormal, deformado, degenerado, ‘inferior’ ou ‘material’ (Geoffrey
Galt Harpham,On the grotesque, 2006, pag 11, tradução própria).
Dessa forma, o grotesco apresentado por Takato Yamamoto na
sua obra A fermentation of a Hermaphrodite surge de forma concisa e bem
conectada, ao mesclar elementos abstratos e figurativos, e ao criar por meio da
junção de seres e formas o grotesco a partir do amorfo. Nesse sentido, o
absurdo presente na sua obra pode ser compreendido pela ótica da cultura
popular japonesa, como a estética do Ukiyo-e, mangás e o Shibari que
criam um grotesco específico, baseado na imagética oriental.
Vinícius Bertolino Lamounier Santos
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