A
obra Marciano Vendo Multidão Bêbada foi criada em 1906 por Henrique
Alvim Corrêa (1876–1910), um artista amplamente reconhecido por suas
ilustrações para o livro A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells. No entanto, esta
obra específica destaca-se por seu profundo simbolismo e sua crítica à sociedade
humana, apresentando uma visão instigante que combina elementos técnicos,
narrativos e visuais. A análise da obra pode ser conduzida a partir de várias
perspectivas, como a técnica artística, os simbolismos empregados e a crítica
social que ela propõe.
Alvim
Corrêa utiliza uma abordagem técnica que combina um realismo detalhado com a
subjetividade do simbolismo, criando uma imagem de forte impacto visual. A
composição é cuidadosamente estruturada: o marciano ocupa uma posição de
destaque, sendo representado com traços alienígenas e proporções que rompem com
o padrão humano. Suas formas exageradas e desproporcionais reforçam sua
natureza estranha e distante, enfatizando sua condição de observador externo.
Ele é iluminado por uma fonte de luz clara e direta, que não apenas realça seus
detalhes anatômicos, mas também cria um contraste com o restante da cena,
mergulhado em sombras densas.
A
multidão bêbada, por sua vez, é representada em meio a uma atmosfera caótica,
com figuras humanas distorcidas, quase grotescas, que parecem perder suas
características individuais em meio ao coletivo, a partir de uma escolha
estilística que sublinha a desorientação, a alienação e a irracionalidade da
massa, temas centrais na obra. As formas dos corpos humanos podem aparecer
comprimidas, inclinadas ou mesmo fragmentadas, como se fossem absorvidas por um
tumulto indistinto, por meio de distorções que exploram mais os estados
emocionais e psicológicos do que representação de uma realidade objetiva.
A
iluminação desempenha um papel crucial na narrativa visual, como podemos
perceber na maneira como o marciano é destacado por um feixe de luz que parece
vir de uma fonte externa à cena, talvez sugerindo uma perspectiva superior ou
transcendental. Por meio desse recurso técnico, que não apenas cria
profundidade e tridimensionalidade, Alvim Corrêa reforça a ideia de que o
alienígena é um observador distante, analisando a multidão com uma mistura de
curiosidade e desprezo. A multidão, em contraste, é mergulhada em sombras
pesadas e formas indistintas, com apenas alguns detalhes emergindo parcialmente
na luz. A escuridão simboliza, assim, a confusão, a perda de clareza mental e o
caos emocional que dominam o comportamento coletivo. Nesse sentido, a escolha
de um fundo sombrio e opressor contribui para a sensação de sufocamento e
desorientação, amplificando o contraste entre o marciano e os humanos.
A
obra pode ser percebida como uma alegoria para a alienação humana no contexto
de uma sociedade em transformação, já que foi criada em um período de intensas
mudanças sociais e econômicas, a ilustração reflete o impacto da modernização
acelerada e da urbanização. O marciano, com seu olhar externo, pode ser interpretado
como uma perspectiva crítica do próprio artista ou do intelectual que observa,
de fora, os comportamentos irracionais e destrutivos da coletividade humana. A
multidão bêbada funciona, dessa maneira, como uma representação simbólica da
alienação do indivíduo na sociedade moderna. No início do século XX, as grandes
cidades estavam se tornando centros industriais e culturais, mas também espaços
de desorientação, onde o excesso, o consumo e os comportamentos em massa
frequentemente resultavam em uma perda da individualidade. O comportamento
descontrolado e irracional da multidão ilustra o que muitos intelectuais da
época viam como o "mal-estar da modernidade": um sentimento de
desconexão emocional, existencial e espiritual causado pelo progresso rápido e
pela ruptura com as tradições rurais e comunitárias.
Victoria Mendes Alves Vieira de Souza
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