Antoine D´Agata nasceu em Marcelha na
França em 1961. Membro da Magnum Photos desde 2008, publicou diversos livros e
filmou algumas películas. Seu trabalho é reconhecido e premiado
internacionalmente. Desde muito novo, D´Agata partiu em uma exploração do mundo
através de vivências a partir das quais passou a observar a marginalidade, a
violência, a sexualidade e as diversidades de condições humanas, principalmente
as que causam incômodo. Ele fora diagnosticado com HIV no início dos anos 90 e
lidou com o vício em drogas.
Esta resenha em questão é sobre seu
livro Anticorps (Antibodies nas publicações em inglês), de 2012. A obra
conta com quase 600 páginas e mais de 500 fotografias coletadas ao longo de 20
anos de andanças de D´Agata pelos mais sombrios cantos do mundo na Asia, Europa
e América Latina. São fotografias de prostitutas, viciados, comunidades
devastadas pela guerra e sem-teto nas quais nota-se a influência de outros
fotógrafos como Nan Goldin e Larry Clark.
As imagens são bem explicitas, de
retratos íntimos, cenas de sexo, uso de drogas, feridas a mostra, cadáveres, restos
mortais, animais mortos, ossadas e paisagens degradas. O fotógrafo opta por
fotografias com bastante contraste, granuladas, com os tons pretos bem
evidentes e muitas fotos subexpostas. O fotógrafo faz uso frequente de longas
exposições, que não apenas criam um efeito de movimento, mas também conferem um
aspecto fantasmagórico à imagem, desfigurando a forma humana de maneira
impactante. A maioria das imagens é em preto e branco, mas as coloridas também
se fazem presente, quase sempre sem muita saturação e com os tons puxados para
cores mais quentes que criam atmosferas inquietantes. O uso de vinhetas é constante
nas fotos de retratos, prendendo o olhar do espectador nas feições carregadas
dos personagens fotografados.
É possível perceber que D'Agata não
se limita aos padrões técnicos tradicionais da fotografia. Grande parte das
imagens presentes no livro foi capturada com câmeras analógicas, incluindo
algumas de "baixa qualidade", como as populares Lomographys. Isso
permite enfatizar o caráter expressivo, subjetivo e imperfeito dos personagens
e cenas, reforçando a estética crua e espontânea característica de seu
trabalho, que privilegia a emoção e a narrativa visual sobre a perfeição
técnica. D´Agata e sua vida se entrelaçam com o trabalho artístico do livro. Os
temas abordados foram vivenciados pelo autor e ele chega a estar presente
literalmente, sendo ele próprio o protagonista presente em algumas fotografias o
que atribui um aspecto performático a algumas delas. Não é um trabalho fácil de
ser consumido pois ele desafia o espectador a questionar seus próprios limites
éticos e estéticos.
Além disso, D'Agata entrelaça sua vida
pessoal ao trabalho artístico presente no livro. Os temas abordados não são
apenas explorados artisticamente, mas também vivenciados pelo autor, que chega
a aparecer literalmente como protagonista em algumas fotografias. Esse elemento
autobiográfico confere um aspecto performático a certas imagens, tornando o
projeto ainda mais visceral e íntimo. Não se trata de uma obra de fácil
fruição; pelo contrário, ela desafia o espectador a confrontar seus próprios
limites éticos e estéticos, de modo a nos fazer refletir sobre os limites entre
arte e vida.
Não é possível enquadrar a obra em uma
única categoria artística, mas percebemos a mistura elementos do
expressionismo, documentarismo subjetivo e fotografia experimental na maneira
como D'Agata explora a dureza da vida sem filtros, ao mostrar o lado sombrio da
existência humana com uma abordagem que se aproxima de um "realismo
brutal", a partir da exploração de temas tabus. Há também uma relação
intrínseca com o conceito de grotesco, especialmente no contexto da arte e da
filosofia pois as imagens confrontam e desestabilizam o espectador por meio da
exploração dos limites do corpo, desfiguração, desconforto, marginalidade,
mistura de atração e repulsa e transgressão.
Anticorps é um diálogo cru e honesto com o lado sombrio da existência, pois é uma obra que, ao focar na fragilidade e brutalidade humanas, desafia o espectador a encarar o que geralmente é evitado ou reprimido. Nesse sentido, ao transitar entre o belo e o grotesco, o íntimo e o universal, D'Agata revela a profundidade e a complexidade do que significa ser humano. Dessa forma, o livro é menos sobre as pessoas retratadas e mais sobre nós, os espectadores — sobre nossa capacidade (ou incapacidade) de empatizar, julgar ou entender as verdades cruas que ele apresenta. Anticorps é uma obra que incomoda, mas que, justamente por isso, nos obriga a refletir sobre os limites da arte, da humanidade e de nós mesmos.
Rogerio Hilel Argolo
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