A transformação do feminino: entre o natural e o idealizado na obra Multi Venus III, de Eimi Suzuki



Na obra Multi Venus III, de Eimi Suzuki, nos deparamos com uma figura feminina fragmentada. Seus membros são compostos por imagens de diferentes origens, todas meticulosamente cortadas e conectadas para formar uma única figura. Inicialmente, a fusão de partes distintas — que fazem referência a obras renascentistas e outras imagens clássicas — pode gerar um impacto desconcertante. No entanto, ao contrário do que se poderia esperar de uma obra grotesca, o impacto não é violento ou macabro. Pelo contrário, a paleta de cores suaves e a serenidade da composição conferem à obra uma qualidade meditativa, quase como se estivéssemos diante de uma reflexão visual que transcende o grotesco. Essa fusão de imagens de diferentes momentos históricos da arte cria uma sensação de estranheza como se o corpo fosse um Frankenstein formado a partir de fragmentos de várias partes da História da Arte.

A figura apresentada é, de fato, um mosaico de partes, cada uma com seu próprio contexto e significado. O torso renascentista, com suas costelas expostas e elementos anatômicos, cria um diálogo entre o clássico, o belo e o grotesco. Este contraste destaca a complexidade de como a arte lida com o corpo feminino — ao mesmo tempo que busca a beleza, também se aproxima do bizarro, como podemos ver nas imagens de tíbias, sistema circulatório e costelas expostas. A obra se apropria da fragmentação do corpo, não só em termos físicos, mas também simbólicos. Cada parte representa aspectos diferentes da identidade feminina, construindo uma reflexão sobre a complexidade e a multiplicidade do ser mulher.

Embora a composição seja delicada, a obra nunca escapa da transgressão, misturando vida e morte, beleza e deformidade, criando uma crítica sutil às pressões sociais que impõem padrões físicos rígidos ao feminino. Cada parte do corpo, escolhida com precisão, reflete as expectativas sociais que constantemente moldam as mulheres, transformando-as em objetos consumíveis e desejáveis. A sociedade contemporânea frequentemente exalta determinados aspectos do corpo, como se a perfeição só pudesse ser alcançada por meio da mutilação — seja por cirurgia, edição digital ou o uso de filtros. O exagero dessas manipulações físicas resulta em uma aparência cada vez mais estranha, desconfortável, pois a busca pela transformação do corpo humano transgride a natureza, criando uma versão distorcida de si mesma em busca da perfeição.

Esse mosaico de partes sobreposto a um fundo que remete a um tecido, sugerindo uma cama, nos leva a refletir sobre o destino final imposto pela sociedade: a mulher transformada, consumida por seu próprio desejo de atender às expectativas externas. A serenidade da composição é o que realmente torna a obra impactante. Não há exageros visuais, mas uma construção cuidadosa que nos convida a observar com atenção e repensar as questões que ela levanta. Ao mesmo tempo em que aborda como enxergamos o corpo feminino e as construções de beleza na arte e na cultura contemporânea, Suzuki nos lembra que a verdadeira essência da beleza não está nos padrões rígidos, mas na mistura, no inesperado e, até mesmo, no imperfeito. Sua obra, ao ser simultaneamente delicada e grotesca, nos faz refletir sobre as múltiplas faces do ser feminino e como elas podem coexistir de forma harmônica e poderosa.

Nívia Maria Horta Trindade 

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